“Freira, você?” – Quem sabe essa foi a reação de impacto de quase 99% das pessoas que conheciam a menina Morgana, lá em Redentora, cidade do interior gaúcho, quando ela anunciou que queria ser religiosa. Quase ninguém botou fé, mas o apoio da mãe, a acolhida das Irmãs e a confiança em Deus confirmou o desejo nascente no coração daquela guriazinha.
A pequena menina espoleta, que na adolescência até arriscou ser manicure para ter um dinheirinho para ir às festas e agitos com as amigas, surpreendeu a todos com a decisão de ser uma religiosa. Loucura? Chamar atenção? Modinha? Fogo de palha? Não! Ela se abriu ao chamado de Deus. Deu espaço para Ele agir. Resultado: no próximo domingo, 06 de fevereiro, depois de sete anos da primeira profissão religiosa, Irmã Morgana Aparecida Garcia fará a sua Consagração Definitiva como Irmã do Imaculado Coração de Maria.
“Deus criará meios e caminhos”, disse Bárbara Maix. Como não lembrar disso ao saber que a menina Morgana começou a pensar na vocação religiosa quando encontrou, tempos depois, arrumando o quarto, um folder vocacional que havia ganho ao participar de um retiro de crisma? Detalhe: ela participou do retiro por engano.
Essas e muitas outras histórias, com a família, os amigos e a comunidade que ela conta na entrevista que concedeu ao site das Irmãs ICM. Leia a íntegra:
Irmãs ICM: Consagração definitiva é SIM para sempre! O que dizer da expectativa para esse momento especial na sua vida?
Irmã Morgana: É um sim para sempre que se vive a cada dia. Como eu digo, o futuro se faz do e no agora. Isso me dá a segurança de confirmar este SIM no próximo dia 06. Através da minha vivência diária este sim se faz eterno, com a graça e a Vontade de Deus. Sobre as expectativas, bom, sou ansiosa, então dá para imaginar como estou. É um misto de sentimentos, mas com uma sensação muito boa. Certamente será um dos momentos mais especiais de minha vida. Momento importante para mim, para a Congregação para a Igreja e para o Reino de Deus. É neste dia que, publicamente, confirmo o compromisso de servir a Deus com tudo que sou e faço.
Você lembra do dia em que disse: “Eu quero ser uma Irmã do Imaculado Coração de Maria”? Como foi?
Não sei se teve uma data específica. Foi um processo. Foi acontecendo de forma gradativa, à medida que eu fui me autoconhecendo, conhecendo a Vida Religiosa, a Congregação e principalmente quando fui me inteirando da pessoa e do Projeto de Jesus Cristo. Recordo que tinha 16 anos quando eu decidi entrar na Congregação. E queria muito fazer uma experiência diferente, mas nem mesmo sabia explicar direito esse “diferente”. Só sabia que queria fazer algo com mais sentido para minha vida. Mal eu sabia que esse “fazer”, na verdade, veio através do “ser”. Lembro que arrumando meu quarto (é, arrumar o quarto as vezes faz toda diferença na nossa vida), encontrei um folder vocacional que tinha ganho em um retiro de Crisma – no qual fui por engano, mas isso conto em outro momento – e pensei: “por que não?”. Falei com minha mãe. Inicialmente ela não acreditou muito no que eu estava falando, o que é entendível, porque até mesmo na semana seguinte eu ainda pediria pra ir em festas e coisas do tipo… e de repente, sem nunca ter mencionado o assunto, chego e digo pra ela que quero ser freira. Mesmo assim ela aceitou entrar com contato com a Paróquia, para que eu pudesse conhecer a Congregação. Acredito que em meados de outubro fui passar um final de semana na casa das Irmãs. Em fevereiro do ano seguinte eu entrei para a Congregação e, a partir dali, não consegui mais me ver fora desse modo e estilo de viver. Então, de fato, não sei dizer um dia especificamente, por que a cada etapa do processo formativo fui firmando minha decisão. Cada experiência na Congregação, cada testemunho das Irmãs, cada vivência da missão foram me dando essa certeza. Desde o dia que entrei até hoje eu fui me encontrando neste modo de vida, fui suprindo meus anseios existenciais e como eu falei anteriormente, é um SIM que se renova diariamente.
Primeira profissão religiosa em 20 de dezembro de 2014
Família, amigos/as e comunidade. Qual o papel dessas pessoas na sua vocação?
Meu pai e minha mãe sempre tiveram uma vivência religiosa. Minha mãe, principalmente, é mulher de muita fé e sempre teve uma participação bem grande na comunidade. Foi catequista, atuou na liturgia e meu pai também ajudava nas festas da comunidade. Então eu vivi um pouco dessa experiência junto com eles. Eu tinha 13 anos quando meu pai faleceu. Então, hoje, somos: minha mãe, meus irmãos e eu. Somos quatro irmãos, cada um vive a fé da sua forma. No começo eles estranharam (acredito que muito) a minha decisão. Sei que para eles foi difícil entender, acho que até hoje eles não entendem muito bem, mas aceitam e me apoiam. A minha mãe até ficou bem triste, porque eu sou a mais nova e a única que estava em casa com ela. Minhas duas irmãs sempre apoiaram, principalmente minha irmã mais velha. Nós temos uma relação um pouco mais próxima. Meu irmão, eu acho que às vezes ele fica me olhando e tentando entender o que aconteceu comigo (risos). Lembro que uma vez ele chegou a achar que eu usava hábito quando estava na Congregação e quando ia para casa eu tirava, porque essa é a ideia mais comum quando se fala em freira, não é mesmo? Mesmo nós, em casa, tínhamos uma ideia de vida religiosa completamente diferente até o dia em que conhecemos a Congregação. Não sabíamos que existiam Irmãs sem hábito, né? De fato, passa-se uma ideia de uma vida religiosa muito diferente, principalmente nas mídias, nos filmes nas novelas, nunca o tema é abordado de uma maneira coerente com a realidade. Passa-se uma ideia muito negativa deste modo de viver. Antigamente eram uma honra, era uma graça ter uma filha no convento, só que hoje em dia, não se vê mais assim. Acredito que a minha família tinha um pouco essa ideia de que só determinados perfis de pessoas iam para a vida Religiosa. Penso que eles não achavam que era o meu perfil. No fundo penso que eu também achava isso né. Meu processo de descoberta vocacional também foi vivido pela minha, foram crescendo com a minha vivência a ponto de que hoje eles me visitam e tá tudo bem. É uma escolha! Cada um vive a sua vida como Deus quer. Eles foram entendendo conforme viam minha felicidade com esse modo de vida, que me sinto bem e realizada. Eles foram aceitando e entendendo e é muito bom poder contar com isso. Meus amigos também viveram um processo parecido no início. Estranharam. Eu nunca tinha demonstrado esse desejo de vida Religiosa e tal, mas eles buscaram entender e apoiar a minha vontade de fazer essa experiência. Os mais próximos assim não mudaram, não se distanciaram. Meus colegas de aula, os que eu tenho contato, sempre me deram muito incentivo. Os amigos que eu fui construindo ao longo da vida também tiveram um papel importante de incentivo e de acolhida, principalmente por entender que essa é a minha escolha, é a minha vocação e que isso não faz de mim uma pessoa anormal. Já comunidade eclesial de origem não existe mais. Sou do interior de Redentora e a minha comunidade sempre foi muito simples. Nos reuníamos na escola para fazer celebrações. Havia Missa uma vez por mês, se eu não me engano. Depois, com a conforme foi diminuindo o número de pessoas lá na comunidade, foi se distanciando. Então, as famílias que iam preservando a fé nas casas e no final, a comunidade, enquanto Igreja, se desfez e passaram frequentar a paróquia na cidade. Contudo, é bonito sentir o apoio deles, pois também foi o testemunho de fé dessas pessoas me motivou a buscar essa vivência mais profunda. São pessoas de muita fé em Deus e sempre muito comprometidos com a vivência dos valores da Igreja.
Em 20 de dezembro de 2014 você professou pela primeira vez os votos religiosos. O que dizer de toda caminhada formativa feita até aqui?
Se passaram sete anos deste esse dia. Foi uma caminhada de muito crescimento. Sem dúvida nenhuma foram muitos desafios e alegrias. Passei por vários momentos e tive a graça de experiênciar diferentes formas de missão. Eu atuei um ano na área da Assistência Social e depois na área da Educação, especificamente. Também tive a oportunidade de atuar em outras formas de missão e tudo me enriqueceu muito, ajudou a firmar aquilo que eu sou e a clarear a maneira como Deus me chama para atuar na Congregação e na sociedade como um todo. Analisando minha caminhada, penso que houve uma bonita evolução e isso me deixa muito feliz. Passei por grandes mudanças de ideias e ideais, nem todas foram fáceis de passar, mas tudo foi contribuindo para o meu crescimento pessoal e como religiosa. Foram sete anos de uma caminhada muito rica de aprimoramento pessoal, profissional e também espiritual. Olho para trás com muito orgulho de tudo o que eu já vivenciei até agora nesse tempo de juniorado e com muita esperança do que ainda vou vivenciar.
Irmã Morgana, professarás, em definitivo, os votos de pobreza, castidade e obediência. Como explicar isso para os/as nossos leitores/as?
A vivência dos três Votos ou Conselhos Evangélicos de Castidade, Pobreza e Obediência, leva os religiosos e religiosas a olharem para Jesus Cristo e seguir o seu exemplo. Ele viveu pobre, casto e obediente ao Pai. Nós, Religiosas, pelo Voto de Castidade assumimos o compromisso de amar a Deus incondicionalmente e cuidar com amor do nosso próximo. Pelo Voto de Pobreza, não vivemos apenas a renúncia dos bens materiais, de bens em nosso nome pessoal, mas somos convidadas a olhar com carinho e solidariedade os nossos irmãos mais pobres e necessitados partilhando o que temos e somos. Pelo Voto de Obediência, somos convidadas a expressar nossa relação de entrega e de total dependência à Deus e de escuta às necessidades da missão. Por fim, a vivência dos Votos de Castidade, Pobreza e Obediência, vai além de renúncias de bens, de prazeres e de nossas vontades, mas, consiste na expressão da nossa maturidade de fé, da gratuidade na entrega da nossa vida e da nossa abertura ao amor de Deus.
A vida oferece possibilidades como, por exemplo, emprego, muito dinheiro, viagens, formar uma família e por aí vai. Há muita gente que pensa que a Vida Religiosa é a última opção de vida para uma pessoa. É isso mesmo?
Olha eu nem sei se hoje [a Vida Religiosa] entra no hall das opções de vida de uma pessoa. Acho que nossa sociedade vê mais essa vocação como uma não opção. São raras as pessoas que hoje pensam em seguir a Deus como Religiosas Consagradas. Não que Ele não continue a chamar, mas se vive em meio a tantos barulhos que se dá pouco espaço para Deus falar e com isso menos pessoas atendem ao chamado de Deus. Também, como já falei anteriormente, há uma ideia muito distorcida e às vezes até pejorativa da Vida Religiosa. Olhando esses aspectos da vida que citaste, se eu for parar para pensar todos esses de uma certa maneira eu os tenho na minha vida, porque quando o projeto é de Deus, quando é por Ele, Ele dá um jeito de organizar as coisas, de modo que a gente não fique irrealizado. Por exemplo, ali quando fala de emprego, digo que não tenho emprego formal, com a carteira assinada, mas eu tenho um trabalho eu tenho uma oportunidade de usar os meus dons, os meus saberes, o meu conhecimento para trabalhar e construir algo dentro de uma estrutura muito maior, para ajudar a vida das pessoas. Formar uma família, de certa forma, a gente forma uma família. É a família religiosa. Vivemos em comunidade e o ideal nas relações comunitárias da vida religiosa é que tenham aspectos familiares, não de pai de mãe, mas de irmãs que vivem juntas por objetivo comum que é servir ao Reino de Deus. Eu particularmente não me recordo de ter idealizado em minha vida formar uma família, filhos, acho que não fazia parte da minha da minha mentalidade quando eram mais jovem. Recordo Maria, ela tinha um projeto de vida, ela tinha planos de casar com José, ter filhos e ela fez tudo isso, não da maneira como ela tinha imaginado, mas ela acabou vivendo isso de uma maneira muito melhor, que ajudou muito mais as pessoas, porque quando ela aceita se tornar a Mãe do Filho de Deus, ela transformou a vida do mundo. Então, quando as coisas são de Deus, ele faz elas aconteceram para nosso bem. E essa foi uma questão que eu amadureci muito. Sou hoje muito realizada nesse modo de vida. Cresci no meu autoconhecimento e esse processo teve uma importância muito grande dentro de mim. Há 12 anos Deus me chamou para a Congregação. Sete anos como Irmã. Isso não é à toa, mas Deus tem um porquê, tem um propósito. Acredito e quero, com a minha vida, testemunhar a alegria da Vida Religiosa porque a gente pode e deve ser feliz como irmã. Eu posso viver “no mundo”, como se diz, claro, como os balizadores que a vida religiosa me dá, que eu aceitei quando disse meu sim e que vou confirmar agora no próximo domingo. Com isso eu posso ser feliz! Eu posso gostar de música, gostar de me arrumar e eu posso trabalhar naquilo que eu sei fazer para um sentido maior. Eu acho que esse é o “mais” da vida religiosa. Tudo que faço, eu o faço por uma causa maior, para transformar a vida de pessoas. Ao contrário do que às vezes as pessoas pensam, nós, Irmãs estudamos. E estuamos muito. Não estudamos ‘coisas’ só da igreja. Estudamos muito a realidade, procurando sempre se inovar e aperfeiçoar, cada uma em sua área de missão, para continuar oferecendo um bom serviço para o povo. Não estudamos só para nós. Somos instrumentos de Deus para as pessoas nas áreas em que atuamos: na educação, na assistência social, na animação missionária, na pastoral inserida, nos projetos sociais solidários, nas casas de retiro, na formação, enfim… onde tem uma Irmã do Coração de Maria, o serviço que ela realiza está contribuindo para um causa muito maior e isso é empolgante demais!
Vamos para o bate-pronto
Deus? Eu acho que não se consegue explicar Deus! Basta-nos sentir e crer.
Jesus? Mestre, o maior e mais admirável que existe
Maria? Uma mulher corajosa, de paz inquieta
A Bem-Aventurada Bárbara Maix? Um das mulheres mais incríveis que já existiu eu admiro muito Bárbara, sua história, mentalidade, coragem, fé…..
Ser Irmã ICM? É ter certeza que cada ação sua faz parte de um todo e contribui para uma causa maior que transforma a vida das pessoas.
Uma Inspiração? Poder ajudar a transformar a vida das pessoas, isso me inspira e me motiva.
Uma Oração? A que brota no silêncio do coração
Tipo de música? Eu ouço vários tipos de música, depende do momento ou do que estou fazendo.
Um esporte? Futebol
…. mas pratica esse esporte? Já pratiquei. Assistir pode ser considerado prática?
Uma série? Pode ser umas quantas? Suits, Anne with an E, The Originals, Grey’s Anatomy, The Vampire Diaries, The Crown… enfim…..
Um talento seu que ninguém ainda sabe? Fui manicure
Uma comida? Boa…. e normalmente gosto das que não são saudáveis….
Nas horas vagas eu gosto…? De assistir séries ou dormir
Uma mensagem final?
Inicialmente quero convidar todas/os para assistir e estar em comunhão comigo no próximo dia 06 de fevereiro, às 15 horas. Vai ser transmitido através da do Facebook e YouTube das Irmãs ICM e também da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes. Gostaria de dizer que vale muito a pena assumir a Vontade de Deus na nossa vida e viver isso de forma leve e autêntica. Desejo que todos possam também encontrar o seu caminho, a sua vocação e ser feliz, que é o que precisamos hoje – de pessoas feliz e realizadas. Demore o tempo que for para encontrar o seu caminho, a sua vocação, e quando achar agarre com todas as forças e viva-a com muita intensidade, tendo sempre a convicção de que a vida não é nossa. É de Deus! Ele a conduz à Sua maneira, se nós vamos nos abrindo e deixando ele conduzir.
Biografia
Irmã Morgana Aparecida Garcia tem 28 anos e é natural de Redentora, no Rio Grande do Sul. É formada em Administração. Em fevereiro de 2010, com 16 anos, ingressou no aspirantado da Congregação em Frederico Westphalen, seguindo, depois, para Santa Maria. Em fevereiro de 2012 ingressou no Postulado, na Comunidade Coração de Maria, em Canoas. Em janeiro de 2013 foi admitida ao Noviciado, em Caxias do Sul. Professou os votos religiosos pela primeira vez em 20 de dezembro de 2014, renovando-os em dezembro de 2016, dezembro de 2018 e novembro de 2020.
Já como Irmã, a caminhada missionária registra o trabalho nas áreas de assistência social, educação, acompanhamento dos grupos de jovens e movimento social. Irmã Morgana passou pela comunidade da obra social da Casa da Criança Sagrado Coração de Jesus, em Cachoeira do Sul; Comunidade Coração de Maria, de Canoas; Comunidade Madre Imilda, de Caxias do Sul, onde doou-se no serviço da Obra Social Coração de Maria e no Colégio Madre Imilda, onde atualmente vive sua vocação religiosa consagrada.