Estamos iniciando o mês de julho, queremos refletir sobre o Tema: Trindade e Sinodalidade. O Deus dos cristãos é o Pai todo amoroso, revelado pelo Filho à luz do Espírito Santo. Uma releitura do ser trinitário de Deus, a partir da história de salvação culminante no evento pascal de Jesus Cristo, nos ensina a percorrer um itinerário que exige um caminhar juntos. A revelação trinitária se apresenta na comunhão e unidade do Deus Vivente, onde contempla-se o mistério do Único e relacional, existindo como Pai, e Filho e Espírito Santo. Em 1João 4,8 afirma-se que “Deus é amor”. O amor exige um outro para amar, ainda exige a terceira realidade que é o amor. Daí que desde Agostinho inicia-se a reflexão a ser mais aprofundada por S. Boaventura (Séc XIII) e Ricardo de São Victor (XIII) buscando fundamentar o respeito, a tolerância e harmonia das relações sociais tendo por fundamento as relações trinitária.
A unidade divina é uma unidade relacional de amor o que interpela a Comunidade humana e a Igreja a ser no mundo expressão dessa realidade amorosa. Esse dinamismo da Trindade Santa percorre o caminho sinodal de Jesus em sua ação missionária no resgate e defesa da vida. A caminhada conjunta é inerente a Deus enquanto Trindade. O fio condutor da criação vai revelando a tri-unidade em Deus, mostrando que Ele é uma Comunidade eterna, onde a reciprocidade, a distinção, os atributos são respeitados e compartilhados.
Pensar a Trindade e sinodalidade requer compreensão e experiência de mutualidade, inter-relação, interdependência e corresponsabilidade no compromisso da justiça e da Paz. Não se pode negar a descida divina para salvar o povo no Egito (Ex 3,7s), nem o percurso da divina Ruah ao perpassar a voz dos profetas e fazê-la sua. Da mesma forma, é inegável o Caminho Novo inaugurado por Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito carne (Jo 1,14).
A sinodalidade se expressa na inclusão dos pobres, dos doentes, dos que estavam à beira do caminho, encoberto pelo manto da humilhação e do escanteamento de uma sociedade que gera uma população vulnerável, mas não sabe abraçar a vulnerabilidade e potenciá-la. Jesus dá passos conjuntamente com os discípulos, instruindo-os a lidar com os mais vulneráveis do caminho, revela assim, a chegada do Tempo Novo, onde “Deus-Amor” unidade e Comunhão é reconhecido e experimentado. Vivemos um tempo de crise, de sofrimentos, de populações refugiadas distantes de suas origens, sua cultura, seus sonhos e realizações, e tantos povos originários indígenas, em nosso país como em outros países onde estamos, sofrem o massacre da vida, do desgoverno e do abandono.
A Trindade é dispensadora dos bens salvíficos. Está em íntima relação com a Criação, com a vida da humanidade, com o grito dos pobres e os direitos humanos, com a ecologia e a preservação do planeta, com a organização da sociedade e da Igreja, com a vocação à comunhão e à fraternidade, missão e destino de cada ser humano. É nessa alteridade de relação que o dar espaço para o outro, indo ao seu encontro para aproximar-se, é que se realiza a sinodalidade. Sinodalidade que exige escuta, discernimento e diálogo. Pelo mistério da encarnação, Deus toca a realidade frágil do ser humano que espera salvação. O dar-se em Deus é compreendido como saída de si para buscar e permitir que o Outro seja. Pode se dizer: “Deus é um encontro de amor (circuminsessio), uma espécie de festa de glória onde cada uma das pessoas encontra o seu sentido e plenitude no outro”. (PIKAZA, 2005, p. 147). Ainda podemos afirmar: “O amor é o Ser plenamente explicitado, o esseplenum, o Ser plenificado, a plenitude do Ser” (PUNTEL, 2011, p. 290). Portanto, a prática sinodal encontra raízes fecundas na revelação e na Tradição da Igreja onde a participação de mulheres e homens dão os acordes da ousadia profética.
A Igreja-Comunhão se dá a partir da redescoberta da origem trinitária da Igreja (LG, n. 1). O que significa afirmar que a Igreja tem sua origem na Trindade, isto é, vem do alto; está na Trindade e ruma para o acabamento trinitário. No centro da vida da Igreja está o batismo que nos faz todos membros iguais de um mesmo Povo de Deus. Sobre tal igualdade fundamental, e após ela, virão as diferenças de ministérios, serviços e carismas. A unidade e a diversidade na Igreja constituem a riqueza, comparada a uma sinfonia, acordo e harmonia, onde vários instrumentos tocam juntos e cada um mantém seu timbre (p. 34, 2016). A Igreja é, antes de tudo, um “mistério que mergulha nas raízes da Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional”. Dessa forma, viver o dinamismo trinitário de Deus por si já nos põe em movimento de saída sinodal.
Irmã Maria Freire da Silva.
Diretora Geral da Congregação das
Irmãs do Imaculado Coração de Maria