Artigo Mensal: Celebrar os Sagrados Corações de Jesus e Maria

“Eu lhes darei um coração novo e porei um espírito novo no interior de vocês.
Tirarei de vocês o coração de pedra e, em troca, darei um coração de carne” (Ez 36,26).

 

O tema do “coração” é  central na antropologia bíblica, tanto no Antigo Testamento como no Novo testamento onde, nos Evangelhos, Jesus se mostra “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), e onde destaca a “dureza de coração” de alguns (Mt 19.8). Nesse mês de junho, a Igreja celebra a memória do Imaculado Coração de Maria, estendida pelo Papa Pio XII a toda a Igreja. A iconografia retrata o Coração da Santíssima Virgem cercado por uma coroa de flores, um emblema de pureza, e perfurado por uma espada que simboliza a dor sentida pela Mãe pela morte de seu Filho. O culto ao Coração de Jesus e Maria começou explicitamente no século XVII. A princípio, estas duas devoções foram propostas juntas; mas especialmente a do Coração de Jesus foi contestado pelos Jansenistas; portanto, o crescente desenvolvimento da devoção ao Coração de Jesus fez com que a devoção ao Coração de Maria ocupasse um segundo lugar, até que este último foi reavivado a partir de meados do século passado. Conforme Vitorino,  na época patrística, algumas referências sobre o Coração de Maria são encontradas em Orígenes, São Gregório Taumaturgo, Santo Efrém, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Prudêncio, São Pedro Crisólogo, Santo Anfilóquio, São Germano, Santo Ildefonso.

 São João Eudes foi denominado pelo Papa Leão XIII como “autor do culto litúrgico dos Sagrados Corações de Jesus e Maria”, e pelo Papa Pio X, no decreto de beatificação, como “pai, médico e apóstolo” deste importante. O seu livro sobre “O  Reino de Jesus” (1637) foi o primeiro passo desse seu apostolado. Finalmente, Pio IX estendeu a referida missa e ofício a todo o mundo (1856), e em 1871 elevou a Festa do Sagrado Coração a um rito duplo de primeira classe. Desde então ocorreram outros acontecimentos mais solenes, como a consagração de toda a Igreja ao Sagrado Coração (1875), a consagração do gênero humano (1900) e a festa de Cristo Rei (1925).

Celebrar o Imaculado Coração de Maria é adentrar-se em um caminho amoroso, onde se faz a experiência da encarnação do Verbo e da força fecundante do Espírito Santo.  Nesse caminho, temos duas dimensões que compõem esse itinerário de amor e consequência da fé, que traduz a Palavra em vida e a propaga:

1) a dimensão vertical, através da qual a virgem, sob o impulso constante da Divina Ruah adere à Vontade de Deus, segue o caminho de esperança e transformação do seu descentramento e do deixar-se habitar por Deus;

2)  e a dimensão horizontal, através da qual Maria se torna portadora da Palavra de Deus, protagonista do Reino definitivo a serviço da Palavra que se fez carne, que habitou entre nós (Jo 1,14). “O Coração dela é expressamente chamado de Imaculado porque inclui o Seu amor, que nos conduz à redenção” que nos indica sempre o Cristo. Sem dúvida, o coração é princípio de fecundidade, memória, pensamento, interioridade, vontade, que aplicados à Maria, adquire fortes significados: Maria conservava todas essas coisas, meditando-as em seu coração(Lc 2,19).

Na era Patrística Gregório, o Taumaturgo, dizia que o Coração de Maria foi como que um vaso e receptáculo de todos os mistérios. Simeão Matafrastes dá testemunho de longa tradição oriental que faz do coração de Maria o espaço da paixão de Jesus. Em Fátima o anjo diz: “Os Sagrados Corações de Jesus e de Maria têm a vosso respeito  projetos de misericórdia”(1995) (2). Portanto, “pode-se dizer que o coração é a expressão da personalidade de alguém, lugar de sua liberdade, de suas escolhas e de seus projetos e sonhos”(2023) (3). Destarte, o Coração Imaculado de Maria traz em seu cerne, o discernimento, a clareza da vontade em viver os desígnios de Deus. Foi esse mesmo Coração que há 174 anos, fascinou a nossa querida Bem-Aventurada Bárbara Maix, que foi chamada por Deus a fundar a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. O Coração de Maria para Bárbara adquire um significado singular e, portanto, convida as Irmãs a glorificarem esse “Coração com a vida e pedir graças abundantes” (Bárbara Maix, 1872).

Na devoção de Bárbara, os Sagrados Corações de Jesus e de Maria estão interligados, assim como na devoção da Igreja. Festejada no seu aniversário natalício no dia 27 de junho, Bárbara nos ensina a nos modelarmos pelos Santíssimos Corações.

Celebrar a Festa do Imaculado Coração de Maria requer de nós, congregação, renovar a cada dia nosso compromisso com o Reino de Deus e suas consequências, buscando ser a esperança que transforma.


Considerações bibiográficas:

1 – J. BITTREMIEUX, Consecratio mundi Immaculato Cordi B. Mariae Virginis: EphThLov 20 (1943) p. 99-103; J. LON, Les fondements dogmatiques de la consécration au Coeur Immaculé de Marie (Liège 1946);

2 – Dicionário de Mariologia, Paulus, Ed. 1995.

3 – BRUSTOLIN, L. Ave Filha do teu Filho, meditações para as festas de Nossa Senhora, Paulus, São Paulo, 2023

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