“Quaresma é tempo para acreditar, ou seja,
para receber a Deus na nossa vida
permitindo-lhe fazer morada em nós”
(cf. Jo 14,23 | Papa Francisco)
Estamos iniciando o Tempo Quaresmal, onde somos convidadas/dos a descer em nossa interioridade para encontrar a força do indizível que nos habita. Para tanto, é necessário adotar uma metodologia que permite um itinerário mistagógico pautado no seguimento a Jesus Cristo que, sendo divino, tornou-se humano para nos elevar a Deus, no compromisso solidário com os pobres. Trata-se de uma interação humana com a Palavra de Deus, no processo de conversão, no encontro com a verdade que preenche de seus próprios esplendores, os olhos da alma. Esse itinerário comporta não só a iluminação, mas também a purificação da pessoa como ouro passando no crisol. A pessoa aspira ao infinito, convencida de que o amor e o desejo na busca da vontade de Deus são ilimitados. Quanto mais ascende-se a Deus, mais vontade tem de aproximar-se Dele. Podemos utilizar a metáfora de uma partitura referente ao caminho de conversão. Partitura essa, em que as notas musicais são escritas com a pena da Ruah divina, onde cada nota representa a realidade humana em sua sede de Deus, desde o projeto criacional ao processo escatológico.
Cada nota exprime a experiência feita na liberdade para agir, até mesmo se adere ou não à proposta divina. O mistério se abre a uma perspectiva de esconderijo, onde a fluidez não é palpável; são vislumbrados apenas percursos de uma trajetória da linguagem da palavra que se fez carne (Jo 1,14) para além da partitura. É relevante a compreensão de que o Senhor pusera fundamentos sobre os profetas e os apóstolos, mas ele edificou o templo santo onde o ser humano será a habitação de Deus e do Espírito. O espaço do autêntico resplendor da luz: “Eu dormia, mas meu coração velava e ouvi o meu amado que batia…”(5,2) A interpretação conduz a uma compreensão de que mesmo através do sono, há uma continua vigilância, na contemplação que acolhe a visão de Deus com a mente possuída do desejo de encontrá-lo.
Evidencia-se a kénosis ( humilhação, rebaixamento) do esplendor, e o esplendor da kénosis, pode-se dizer: o vazio da beleza e a beleza do vazio num jardim (corpo-espaço de salvação) onde Jesus descansa, desce e se torna espaço da minha procura. Nessa procura, Deus estabelece a sinfonia que compõe vários momentos da história através dos quais a pessoa humana poderá crescer e amadurecer no conhecimento mais profundo da graça divina que se derrama.
Estamos assistindo a Guerra da Rússia contra a Ucrânia, onde centenas de pessoas morrem e outras ficam feridas. São os inocentes que pagam com a vida, o descontrole e a perversidade dos poderosos. Quanto dinheiro gastos em armas… e quanto tempo em planejamentos, estratégias, para destruir a vida. A maldade, o ódio, a violência ocupam o espaço dos pobres e do povo em geral. Não é possível falar de vitória, se a vida é massacrada, violentada sob o sorriso infernal dos perversos, que brindam a morte com suas taças de ouro cheias do sangue dos pequeninos.
Portanto, meditar sobre a Pessoa de Jesus Cristo, como Aquele que se aniquilou desde a encarnação, esvaziando-se no seu itinerário missionário até a morte, e morte de cruz, gera em nós, um grande impacto: Jesus não utilizou armas, como usam os poderosos. Sua vida, seu corpo foi o espaço de poder, de saber, de acolhida, posicionado com a verdade e a justiça. Entrou em Jerusalém não em tanque de guerra, mas, montado no jumentinho. Suas escolhas, sua fidelidade a Deus, sua firmeza e sabedoria penetram nos ouvidos inclinados à sua palavra.
A Quaresma traz em seu bojo, a força da profecia e da gestação do grito da Ressurreição.
Quaresma é tempo de acreditar, de mergulhar profundamente no mistério pessoal e divino, e daí, arrancar força para testemunhar na sociedade o Deus da Vida. É hora do Sim, contemplando Jesus em nossa caminhada, como o fez Maria que, fiel ao Senhor, foi se modelando ao jeito de seu Filho. É hora de interpretar as notas da partitura sinodal, eclesial, congregacional, social etc. para unidas/os fazermos um caminho com a Campanha da Fraternidade 2022 que nos impele a vivermos a “Fraternidade e Educação”, articulando a educação com o pacto educativo global. O convite através do lema: “fala com sabedoria, ensina com amor”(Cf. Pr 3126), é matéria para ruminar a Palavra divina, assumindo o processo de conversão.
Meu abraço fraternal
Irmã Maria Freire da Silva.
Diretora Geral da Congregação das
Irmãs do Imaculado Coração de Maria