Artigo: Missão de viver a Palavra

Ir. Élida Debastiani – ICM*
Artigo publicado no Jornal “O Santuário” da Arquidiocese de Santa Maria

A Missão cristã é portadora de um selo trinitário. Deus Pai cria pela ação de sua palavra (Gn 1,1-27.31). O autor do livro do Gênesis arrisca-se a imaginar o Criador e o descreve numa atitude contemplativa: Deus viu tudo o que tinha feito e era muito bom. Num outro momento da história, o autor sagrado usa a poesia para descrever a beleza do Verbo em sua identidade trinitária, desde o princípio “estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1, 1) e, não bastando-se a si mesmo, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade” (Jo 1, 14). Na plenitude do tempo, quando o cronos se torna kairós, (Gl 4,4), José filho de Davi, o homem justo, é encorajado pela palavra do Anjo do Senhor: “não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (Mt 1,20).

Olhando para a Sagrada Escritura percebemos que a missão é obra de Deus. O Plano, o Projeto de Salvação é da Trindade Santa que se revela no Batismo narrado pelo evangelista Marcos. Ao subir da água, Jesus vê os céus se rasgando e o Espírito como uma pomba descer até ele, ouve a voz do Pai que diz: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1, 9-11). Em Lucas 4, 18-19, Jesus assume a missão numa perspectiva profética, toma a palavra de Isaias como sua, e abraça a missão preferencial para com os pobres, os presos, os cegos e os oprimidos e, sob a ação do Espírito Santo, se reconhece ungido para ações fortes indicadas pelos verbos: evangelizar, proclamar, recuperar, restituir. A missão do Mestre passa a ser a missão dos discípulos.

Nos Atos dos Apóstolos os seguidores e seguidoras de Jesus assumem a missão, corajosamente, sustentados pela ação do Espírito Santo no Pentecostes ( At 2, 1-12). Ser cristão passa a ser uma identidade. “Nós somos testemunhas da ressurreição de Jesus” (At 2,32; 3,15; 5,32; 10,39). A Palavra testemunhada e anunciada faz caminho (At 4, 3; 12,24 ; 19,20). O querigma, o anúncio da Boa nova de Jesus Cristo (At 5,42) interpelava à conversão e à participação na Igreja que se reunia nas casas, num movimento de saída verso os gentios. A vivência da Palavra gera novas comunidades e relações de partilha, “Não havia necessitados entre eles”; de comunhão: “tomavam o alimento com alegria”. Ser batizado era revestir-se de Cristo, superando barreiras étnicas, raciais e de gênero: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem ou mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28.

É tempo de viver a Palavra. Ao instituir o Domingo da Palavra de Deus o Papa Francisco assim se pronunciou: “Queridos irmãos e irmãs, demos espaço à Palavra de Deus! Vamos ler diariamente qualquer versículo da Bíblia. Começar pelo Evangelho: mantê-lo aberto no cômodo de casa, trazê-lo conosco no bolso, visualizá-lo no celular; deixemos que nos inspire todos os dias. Descobriremos que Deus está perto de nós, ilumina as nossas trevas, amorosamente impele para conduzir a nossa vida.” Tenho certeza de que conheceremos o coração de Deus através de sua Palavra como ensina S. Gregório Magno: “Disce cor Dei in verbis Dei”**. E, quem conhece o coração de Deus, boa missão realizará, pois “A alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária” (Evangelii Gaudium21).


* Irmã Élida Debastiani é Mestre em Ciências Bíblicas – Exegese pelo Pontifício Instituto Bíblico
** Aprende a conhecer o coração de Deus através de Suas palavras

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