No mês de julho, o calendário litúrgico traz a celebração de S. Joaquim e Sant’Ana, avós de Jesus. A Sagrada Escritura não registra detalhes da história familiar de Maria. O evangelista Lucas, a seu tempo, procurou as testemunhas oculares e ministros da Palavra a fim de fazer uma investigação acurada sobre os fatos narrados sobre a vida de Jesus (Lc 1,1-4). Nessa busca, ele nos apresenta um quadro belíssimo da vida da jovem Maria. A narrativa da Anunciação (Lc 2, 1-38) oferece-nos preciosas informações teológicas, mais do que históricas, mas lembra que Maria era moradora de Nazaré da Galileia, podemos deduzir que morava com seus pais. Foi nesse lugar que o Anjo Gabriel a visitou para fazer-lhe o anúncio de que seria a mãe do Salvador. Na sequência da narrativa (Lc 2, 39-56), Maria parte apressadamente para visitar a sua Prima Isabel. Após três meses ela volta para casa e nada se diz sobre sua família.
De onde vem a tradição dos avós de Jesus?
As notícias sobre Joaquim e Ana, pais de Maria, vêm de textos apócrifos, como o Protoevangelho de Tiago e o Evangelho do pseudo Mateus, além da tradição. Segundo informações disponíveis no Vatican News, o culto aos avós de Jesus, desenvolveu-se, primeiro, no Oriente e, depois, no Ocidente; mas, ao longo dos séculos, foram recordados pela Igreja em datas diferentes. Em 1481, o Papa Sisto IV introduziu a festa de Sant’Ana no Breviário romano, fixando a data da sua memória litúrgica em 26 de julho, dia da sua morte, segundo a tradição; em 1584, o Papa Gregório XIII incluiu a celebração litúrgica de Sant’Ana no Missal Romano, estendendo-a a toda a Igreja; em 1510, Papa Júlio II inseriu, no calendário litúrgico, a memória de São Joaquim em 20 de março; depois, foi mudado várias vezes, nos séculos seguintes. Com a reforma litúrgica, após o Concílio Vaticano II, em 1969, os pais de Maria foram “reunidos” em uma única celebração, em 26 de julho.
O Papa Francisco, reiteras vezes, manifestou-se sobre a importância dos avós como aqueles que comunicam o patrimônio de humanidade e de fé, na família e na sociedade. Na audiência geral (11.5.2022) O Papa disse que uma parte importante da vocação dos avós é ajudar os filhos na educação das crianças. É na relação concreta que pequeninos aprendem a força da ternura e o respeito pela fragilidade: lições insubstituíveis que, com os avós, são mais fáceis de transmitir e de receber. Os avós, por sua vez, aprendem que a ternura e a fragilidade não são apenas sinais de declínio: para os jovens, constituem passagens que tornam humano o futuro. Assim, no concreto da vida aprende-se lições fundamentais.
Um exemplo bíblico da importância dos avós na educação da fé
As comunidades cristãs dos primeiros séculos se desenvolveram a partir da experiência de fé celebrada nas famílias. Trazemos o exemplo de Timóteo, um discípulo e colaborador do apóstolo Paulo, ele era natural de Listra, filho de pai grego e mãe judia (At 16,1). Na segunda carta a Timóteo, atribuída a Paulo, encontramos a preciosidade do testemunho. O autor escreve: “Evoco a lembrança da fé sem hipocrisia que há em ti, a mesma que habitou primeiramente em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice e que, estou convencido, reside também em ti (Tm 1, 5). Esse texto é valioso pois resgata e atesta a figura feminina na formação cristã dos filhos e netos. Essa carta, mesmo atribuída a Paulo, ela é bem posterior, revela uma fase em que a Igreja já está mais institucionalizada, inclusive com a diminuição da participação da mulher nas assembleias litúrgicas da comunidade. Numa outra passagem o texto diz: “Desde a infância conheces as sagradas Letras, elas têm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3,15). A fé sem hipocrisia que Timóteo herdou, passou pela experiência da catequese familiar, subsidiada pala força transformadora da Palavra de Deus que o levou ao conhecimento de Cristo Jesus pelo testemunho da sua avó e mãe.
A tarefa primordial dos avós na formação religiosa e na transmissão de valores está ancorada na Tradição da Igreja que os vê como portadores de dons e carismas específicos e adequados ao tempo. Em cada idade há um modo próprio de ressignificar as coisas e de perceber com maior profundidade a beleza de Deus que se revela no cotidiano. Hoje, num Igreja sinodal e samaritana precisamos reconhecer e valorizar os avós, pois são eles portadores de um dinamismo próprio oriundo das experiências comunitárias, arraigadas na fé e na partilha, valores imutáveis e fundamentais na educação das novas gerações.
Ir. Élida Debastiani – ICM
Mestre em Ciências Bíblicas – Exegese pelo Pontifício Instituto Bíblico
Artigo publicado na Revista “O Santuário” da Arquidiocese de Santa Maria