Ao proclamar o Ano Santo, o Papa Francisco recorre ao apóstolo Paulo que afirma: “a esperança não engana” (Rm 5, 5). Sob o sinal da esperança, toda Igreja é missionária e é convocada a sair da zona de conforto para anunciar a esperança através do anúncio da Palavra de Deus, da libertação dos pobres e da chegada do Tempo Novo.
A Esperança é a Âncora da Igreja
Nos tempos antigos, a âncora era usada em obras de arte e gravuras como símbolo do cristianismo. Na Carta aos Hebreus 6,18-19, a esperança de um cristão é representada por uma “âncora”. O significado metafórico disso é que a Igreja deve estar ancorada com firmeza: “a esperança proposta, a qual temos como âncora da alma segura e firme.” Uma âncora é o objeto usado para estabilizar um navio, assegurando um lugar seguro. A âncora aparece para descrever a esperança que temos como a âncora de nossa alma: “Assim, Deus, querendo mostrar mais claramente aos herdeiros da promessa. Em Hebreus 6, 19, a âncora de nossas almas é a esperança da herança de Deus em Cristo.”[i]
Portanto, a âncora é o símbolo da tranquilidade e da firmeza, pelo papel que representa na navegação: é também o símbolo da esperança porque é com a esperança que nós ancoramos no mar tempestuoso da vida (Olavo Bilac). Ainda afirma que, a esperança é coletiva. A humanidade espera. Já esperava quando ainda não passava de um rebanho de animais intonsos e bravios, apenas vagamente humanos; tem esperado através dos séculos, sofrendo, trabalhando, ansiando; espera ainda; esperará sempre. (idem,1912) Nesse esplendido corpo deslumbrante que é a Igreja, a esperança é o dinamismo pulsante em uma saída para o encontro com as realidades dos povos para compreender o motivo de seu grito por liberdade.
A Eucaristia âncora da Esperança
Se por um lado, a Esperança é a âncora da Igreja, por outro, a Eucaristia Corpo de Cristo é a âncora da Esperança. Com o coração perpassado pela fé cada, cristão/ã assume o discipulado de Jesus Cristo deixando o coração palpitar da alegria que não morre, pois a esperança não permite. A Eucaristia, como âncora da esperança cristã, traz à Igreja a carícia solar do Ressuscitado e a força que impulsiona para missão. A Eucaristia, único pão celebrado e comido, constitui o único Corpo de Cristo que é a Igreja. A Esperança, que é o próprio Cristo, ressuscita a harmonia daqueles que se alimentam da Eucaristia como Fonte de esperança. A esperança é capaz de perceber um céu estrelado na escuridão da noite. A utopia é apenas a antemanhã de uma realidade, o berço em que dorme uma certeza. A esperança é irmã gêmea da fé. Esperança é a fé no futuro: é a confiança no bem que se ambiciona. Esperar não é só desejar: é confiar. Confiar na esperança que nunca envelhece. A esperança é o pão quotidiano dos que passam fome, é a felicidade dos infelizes.(idem, 1912)[ii].
O Papa Francisco na Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, afirma:
“Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do Coração de Jesus trespassado na cruz: «Se de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida» (Rm 5, 10). E a sua vida manifesta-se na nossa vida de fé, que começa com o Batismo, desenvolve-se na docilidade à graça de Deus e é por isso animada pela esperança, sempre renovada e tornada inabalável pela ação do Espírito Santo”.
Dom Vital Corbellini, ao falar do Ano Jubilar traz presente a idéia de João Crisóstomo, o “bispo de Constantinopla, séculos IV e V, disse que a graça de Deus não tem fim, porque ela sempre alude para o melhor em relação aos seres humanos. No futuro, as coisas de Deus são dadas pelo amor dele para cada pessoa humana, porque serão concedidas em plenitude. Por isso, o Apóstolo Paulo disse que nós nos gloriamos na esperança da glória de Deus” ( cf. Rm 5,2)(VN, 2024).
A Esperança e a Nova humanidade
O “novo” homem é o homem segundo a esperança. O “novo” homem é a esperança. O Espírito, antes de fazer o homem realizar um ato de esperança, faz-lhe esperar, no sentido de que no homem começa algo que, no desígnio de Deus, será levado a termo. Diz o Salmo 40, 39: Você é minha esperança, Senhor. Eu esperei: eu esperei no Senhor e ele se inclinou sobre mim, ele ouviu meu clamor. Ele me tirou do abismo da morte, da lama do pântano; meus pés apoiados na rocha, tornou meus passos seguros. Ele colocou uma nova música na minha boca, louvor ao nosso Deus.”. Na Oração da Celebração Eucarística, a comunidade responde dizendo: “Anunciamos Senhor a vossa morte e proclamamos a vossa Ressurreição”. Isso acontece na expectativa da vinda. É assim que expressamos o nosso louvor e nossa esperança no coração da Missa (Surrexit). Na Eucaristia acreditamos e proclamamos todos os dias esta certeza que ilumina a vida e a morte, com uma esperança mais elevada.
Gregorio de Nissa, a partir do termo Epektásis, traz a tona a esperança. O termo epéktasis está em referência a Filipenses 3,13 que reza: “Irmãos, eu não julgo que eu mesmo o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me do que fica para trás, e avançando para o que está diante”. Com isso, quer indicar a ascensão do homem para Deus, em que a tensão da alma verso Deus se desenvolve em um contínuo crescimento, por meio do descentrar-se de si mesmo (Ct 6). Esse itinerário mostra a esperança do cristão/ã que tem fé e se desenvolve na sua relação com Deus.
Máximo Confessor, um dos Padres da Igreja, fala não apenas do objeto ou conteúdo da esperança, mas também da razão pela qual os cristãos devem esperar. Esse respeito ensina, em primeiro lugar, que não devemos esperar nos homens, mas somente em mim: vamos dar toda a nossa esperança somente nEle (e todo o nosso cuidado somente nEle, e ele mesmo nos libertará de todas as tribulações, e isso nos nutrirá por toda a vida) cada um de coração, mas de forma alguma nós postulamos esperança. [iii] A esperança de participar da mesma vida divina enche a alma de alegria indescritível: É com boa razão que aquele que é incitado por uma esperança de vida de nosso Deus e Salvador. Ele exulta em sua alma com uma alegria inefável, sempre com uma esperança do esplêndido bens futuros.
O Ano Jubilar traz a consciência e a participação na esperança que não engana, que impele mulheres e homens a se comprometerem com o Reino de Deus e suas consequências, em um mundo desesperançado turbinado pelos problemas climáticos, pelas guerras, pela fome, pela violência, pelas fake news e por tantas outras formas de sofrimentos. Ao mesmo tempo, a luz da esperança brilha no esperançar do Ano Jubilar e nos corações solidários e comprometido com os mais vulneráveis.
Irmã Maria Freire da Silva
Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo e Doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália.
Referência
[i] https://www.gotquestions.org/Portugues/ancora-na-Biblia.html, disponível em 21.01.2025.
[ii] BILAC, Olavo Conferencias Literárias, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1912.
[iii] MASSIMO il confessore, Opuscula theologica et polemica VII (G 91, 72-B). rad