No mês de fevereiro quero trazer à memória dois mártires do Cristianismo: Policarpo de Esmirna e Santa Águeda. Policarpo de Esmirna (70 -155), bispo e mártir da Igreja primitiva, na Igreja de Esmirna citada no livro do Apocalipse 2,8-11. Policarpo nasceu em uma família cristã muito rica em Esmirna, Ásia Menor, (atual Turquia).
Embora, fosse cristão desde muito jovem, foi somente no final de sua vida que foi perseguido e executado. Sua morte é o primeiro martírio registrado em detalhes na história da Igreja. Policarpo foi, posteriormente, registrado tanto por Irineu (130-202), que em sua juventude o ouviu falar, quanto por Tertuliano (160-220), como tendo sido um discípulo de João, o Apóstolo . Jerônimo (342-420) escreveu que Policarpo era um discípulo de João e havia sido ordenado líder da Igreja em Esmirna pelo próprio João.
Há registros de que “Policarpo beijou as correntes de Santo Inácio, quando este passava por Esmirna, a caminho do martírio, e Inácio, por sua vez, recomendou-lhe que vigiasse a sua Igreja de Antioquia, e pediu-lhe que escrevesse em seu nome às Igrejas da Ásia, para o qual ele não tinha sido capaz de escrever. Policarpo escreveu pouco depois aos filipenses uma carta que ainda existe e é muito elogiada por Santo Irineu, São Jerônimo, Eusébio e outros. A referida carta, que nos tempos de São Jerônimo, era lida publicamente nas Igrejas, desperta grande admiração pela excelência de seus conselhos e pela clareza de seu estilo. Policarpo empreendeu uma viagem a Roma para esclarecer alguns pontos com o Papa Aniceto, especialmente a questão da data da Páscoa, pois as Igrejas da Ásia diferiam das outras neste particular. Como Aniceto não conseguiu convencer Policarpo nem este, concordaram que ambos manteriam seus próprios costumes e permaneceriam unidos pela caridade. Para mostrar seu respeito por Policarpo, Aniceto pediu-lhe que “celebrasse a Eucaristia em sua Igreja”.(ver. Dic. Patrístico)
Martirológio Romano: Memória de São Policarpo, bispo e mártir, discípulo de São João e a última das testemunhas dos tempos apostólicos, que no tempo dos imperadores Marco Antonino e Lúcio Aurélio Cômodo, quando tinha quase noventa anos, foi queimado vivo no anfiteatro de Esmirna, na Ásia, na presença do procônsul e do povo, enquanto dava graças a Deus Pai por tê-lo contado entre os mártires e permitido que participasse do cálice de Cristo (155). O santo rastejou silenciosamente até o local onde o povo estava reunido. Com a chegada de Policarpo, muitos ouviram uma voz dizendo: “Seja forte, Policarpo, e mostre que você é um homem.”. O procônsul exortou-o a ter pena da sua idade avançada, a jurar por César e a gritar: “Morte aos inimigos dos deuses!”. O santo, voltando-se para a multidão de pagãos reunidos no estádio, gritou: “Morte aos inimigos de Deus!” O procônsul repetiu: “Jure por César e eu o libertarei; negue a Cristo”. “Há oitenta e seis anos sirvo a Cristo, e ele nunca me fez mal. Como quereis que eu negue o meu Deus e Salvador? Se o que quereis é que eu jure por César, eis a minha resposta: Sou cristão. E se você quer saber o que significa ser cristão, dê-me tempo e me escute”. O procônsul disse: “Convença o povo”. Disse ele: “Infringe a lei de Deus. Mas esta multidão não é capaz de ouvir minha defesa”. De fato, a raiva que consumia a multidão os impedia de ouvir o santo.
O procônsul o ameaçou: “Tenho feras”. “Faça-os vir”, respondeu Policarpo, “porque estou absolutamente determinado a não converter do bem ao mal, pois é justo converter do mal ao bem.” O precônsul respondeu: “Já que você despreza os animais, vou mandar que você seja queimado vivo.” Policarpo disse a ele: “Você me ameaça com fogo que dura um momento e depois se apaga; isso mostra que você ignora o julgamento que nos espera e que tipo de fogo inextinguível aguarda os ímpios. O que você está esperando? Passe a sentença que quiser.”
Diante da fogueira onde seria queimado fez a mais linda oração martirial do seu tempo: “Ó Senhor, Deus Todo-poderoso, Pai de teu bendito e bem-amado Filho Jesus Cristo, por quem nós temos conhecimento de ti; Deus dos anjos e das potestades, Deus de toda a criação e de toda família dos justos, que vivem em tua presença: eu te bendigo por me teres julgado digno de ser contado no número de teus mártires e de participar do cálice de Cristo para a ressurreição da alma e do corpo na vida eterna, e na incorruptibilidade do Espírito Santo. Possa eu hoje, com eles, ser aceito em tua presença, como sacrifício precioso e agradável: Tu me preparaste para ele, tu me revelaste, guardaste tua promessa, Deus de fidelidade e de verdade. Por esta graça e por tudo, eu te louvo, te bendigo, te glorifico por meio de Jesus Cristo, teu Filho bem-amado, eterno sumo-sacerdote nos Céus. Por Ele, que está contigo e com o Espírito Santo, te seja dada toda a glória, agora e pelos séculos vindouros. Amém”. (Vol. 1 Col. Patristica, Paulus)
Policarpo continua sendo um modelo discipular no seguimento radical de Jesus Cristo, homem de ouvidos inclinados à verdade do Evangelho, de espírito aberto aos sinais de Deus na história e na vida dos cristãos. Homem da unidade eclesial, com clareza e discernimento na sua missão de evangelizar. Consciente de sua pertença eclesial, não negociava o essencial; homem da vivência eucarística e de espirito pascal, testemunho de fé e de resistência ao mal, de beleza interior inigualável, adquirida no evento da Cruz-Ressurreição do Senhor. Sua oração diante do ato martirial, é um memorial às maravilhas de Deus em sua trajetória de revelação. Sua consciência de que, através do martírio, será contado na orquestra dos mártires, o faz viver a morte como graça unificante de Deus Pai Onipotente que o faz participar do martírio do Filho, sob a graça do Espírito Santo.
Entre os e as mártires que também celebramos em fevereiro está Santa Águeda.
Águeda é celebrada como santa pela Igreja Católica e Ortodoxa e sua festa litúrgica ocorre dia 5 de fevereiro. Há evidências que seu culto surgiu desde a Antiguidade. “Ela está listada numa cópia do Martirológio de Jerônimo do século VI, em associação com Jerônimo e no Calendário de Cartago (Sinaxário) de ca. 530. Também aparece num hino de autor anônimo preservado na obra do papa Dâmaso I (r. 366–384), em um dos carmes de Venâncio Fortunato do século VI, bem como é descrita numa procissão de santas na Basílica de Santo Apolinário Novo em Ravena, na Itália. Existe panegíricos dedicados a ela da autoria de Isidoro de Sevilha (século VI), São Adelmo (século VII) e do patriarca do século IX Metódio I (r. 843–847). Águeda está entre as sete mulheres que, junto com Virgem Maria, são celebradas pelo nome no Cânone da Missa. Como um atributo artístico seus seios são frequentemente mostrados cortados sobre um bandeja; na Idade Média foram comumente confundidos com pães e aparentemente isso esteve na origem da cerimônia na qual pães são levados ao altar numa bandeja. No sul da Alemanha e na Áustria, pães são cozidos na forma de seios pequenos e são abençoados no dia 5 ou na véspera para que sejam eficazes contra doenças nas mamas, febre e queimaduras; as mães e o gado comem-no para garantir o fluxo do leite e suas migalhas são espalhadas pelas residências para prevenir incêndios. Dias 4 e 5, muitos corais compostos de crianças e adultos reúnem-se nas ruas para celebrá-la com canções. Nas vilas, os locais vestem-se com roupas típicas e portam varetas de madeira para controlar o ritmo da música. Eles receberem comidas dos vizinhos ou mesmo dinheiro para o preparo dum banquete compartilhado…”
O itinerário do seguimento a Jesus Cristo realizado por esses dois mártires no desafia a vivermos nossa fé com radicalidade evangélica. Nos conduz a termos um olhar e um ouvido atento a Palavra de Deus e aos sofrimentos dos pobres. Policarpo traz para nós a esperança da vida eterna que se inicia no Caminho com Jesus, tornando-se discípulo a cada amanhecer, colocando-se a serviço do Evangelho, denunciando os grilhões que prendem o povo de caminhar na liberdade. Nem sua idade é empecilho para gritar aos seus algozes a verdade plena que é Jesus Cristo. Sua oração final é a conclusão terrena do seguir Jesus no aqui e agora da história, mas também o é o início da vida nova em Cristo na contemplação do Mistério divino trinitário.
Águeda mulher que passa pelo martírio humilhante de ter os seios cortados, mostra a intensidade da fé de uma mulher discípula que entra na glória eterna doando a seu Cristo o seu coração centro da sua corporeidade. Os mártires são fontes de ensinamentos do como seguirmos Jesus Cristo sem negociar a essência da vida.
Irmã Maria Freire da Silva.
Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo e doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália.