O mês de março, traz entre tantos santos a figura de São José. Descendente da linhagem de David através de Jacó (Mt 1,16) e (Lucas 3,23), José, cujo nome em hebraico significa “Javé aumenta”, ou “acrescenta”, viveu em Nazaré, na Galileia, realizando a atividade de um carpinteiro. O Papa João XXIII, que tinha um carinho particular por São José, estabeleceu que o seu nome fosse inserido no Cânone Romano da missa ao lado do da Virgem Maria, diante dos anjos, dos sumos pontífices e dos mártires. No Ocidente o culto a São José é relativamente tardio, enquanto no Oriente remonta ao século IV. Na Europa encontramos a primeira evidência disso nos Martirológios do século X, na data de 19 de março, destinada a tornar-se feriado universal em 1621, quando Gregório XV o estendeu a toda a Igreja. O Papa Francisco aprovou sete novas invocações na Ladainha de São José: “guardião do Redentor, servo de Cristo, ministro da Salvação, amparo nas dificuldades, padroeiro dos exilados, padroeiro dos aflitos, padroeiro dos pobres”. (Vatcanews)
Um dos padres doutor da Igreja de nome Efrém, o Sírio (308-373), diz que Maria tentou persuadir São José de que sua gravidez era do Espírito Santo. Mas, como isso era extraordinário, José não quis admitir e acreditou que ela havia se casado com outra pessoa. Mas ele não queria denunciá-la, como um homem justo.
No século IV foram São Cirilo de Jerusalém, São Cromácio de Aquiléia e Santo Ambrósio que fizeram algumas reflexões sobre a virgindade de Maria, sobre o casamento de José com ela, sobre a verdadeira paternidade do seu marido. Cirilo (370-444) diz que a paternidade de José: “não foi por causa da geração, mas por causa de seu cuidado e educação da criança”.
No seu terceiro sermão, Cromácio, depois de ter lançado o olhar sobre o “sinal novo e extraordinário” do nascimento virginal de Maria, dedica-se ao estudo teológico da história de Mt 1,24-25 : “O evangelista continua a narrar: “Ele despertando do sono, José fez como o anjo do Senhor lhe ordenara e levou consigo sua noiva. O que, sem que ele tenha relações carnais com ela; ela deu à luz um filho, e ele lhe deu o nome de Jesus. Portanto, José é esclarecido sobre o sacramento do mistério celestial através de um anjo. José obedece de bom grado às recomendações do anjo.”
Santo Ambrósio (339-397) também interpreta como fato comprovado a ausência de relação carnal entre São José e Maria. E no desejo de apresentar José como um homem justo, Ambrósio adverte que o evangelista Mateus, ao explicar “o mistério imaculado da encarnação”, viu em “José um homem justo que não poderia ter contaminado Sancti Spintus templum , isto é, a Mãe do Senhor fecundada no ventre pelo mistério do Espírito Santo”
“Tão grande é a justiça deste homem – sublinha Santo Ambrósio – que não quis manter uma adúltera, nem se atreveu a castigá-la, expondo-a ao descrédito público. Ele decidiu repudiá-la em segredo – diz a Escritura – porque não só não queria puni-la, mas nem sequer denunciá-la. Considere quão autêntica era a sua justiça! Na verdade, ele não queria poupá-la, porque queria mantê-la com ele.” [1]
Ora, José é um homem que aceita a Vontade de Deus e vive a justiça divina no seu itinerário quotidiano. Ravasi nos diz que: “sendo um homem “justo” – porque está disponível para cumprir com alegria e fidelidade a vontade divina – logo a seguir, obediente à palavra de Deus, entrega a sua vida a um projeto que o transcende, com a aceitação da ordem para levar Maria com ele. Aqui está a justiça de José, que não é simplesmente aquela que deriva da observância escrupulosa dos mandamentos, mas a justiça que é uma busca integral da vontade divina, aceite com plena obediência”. [2]
Portanto, José é o homem da Busca Contínua da Vontade de Deus, o desejo fiel de cumprir os mandamentos, o amor inegociável do Tudo que Deus é em sua vida. Ravasi nos diz que:
“Através desta obediência começa para José uma vida nova, com perspectivas absolutamente insuspeitadas e com a descoberta de um significado mais profundo do seu ser marido e pai. Ele permanecerá assim ao lado da sua mulher como um marido fiel, e ao filho como uma figura paterna positiva e responsável”. [3]
O nome é em toda sociedade civil, algo importante com que a pessoa se identifica, caracteriza a identidade da pessoa humana no reconhecimento de sua presença, de seu impacto diante do outro, como também diante de Deus. O anjo diz que Ele será chamado de Jesus. Ravasi ainda acrescenta:
“A assunção desta responsabilidade exprime-se no fato de ser José – segundo a ordem angélica – quem dá o nome de Jesus ao filho gerado por Maria. O ato de dar o nome significa que ele dá àquela criança a sua identidade social e que, precisamente por isso, Jesus pode ser reconhecido como um verdadeiro descendente de David, como exige a natureza do Messias esperado. Este menino é portanto entregue à responsabilidade e ao amor de José e, através dele, Deus entrega à história humana o penhor maior da sua fidelidade, aquele que é o «Emanuel», o «Deus conosco», profetizado por Isaías. Certamente tudo isso está envolto no mistério de Deus, ao qual só pode ser acessado através da fé”. [4]
Mas há um detalhe que é verdadeiramente intrigante: quando o anjo ordena a José que se refugie no Egito para escapar à ameaça de Herodes, o texto evangélico assinala que José «despertou e, de noite, tomou consigo o menino e a sua mãe, e fugiu para o Egito».” Esta “noite” não é apenas uma indicação cronológica das circunstâncias da fuga precipitada, mas assinala a prontidão da obediência de José e assume o peso simbólico do tema da noite nos textos bíblicos. Neste sentido José surge verdadeiramente como pai de Jesus, não no aspecto biológico, mas no sentido mais profundo: o pai é de fato aquele que guarda, protege, abre o caminho. O pai é a figura humana que melhor ilustra o que significa para Deus cuidar da nossa fragilidade. Pois bem, José é o pai que não só cuida e sustenta o filho quando é dia, quando tudo é fácil, óbvio e ensolarado; ele o leva consigo durante a noite, quando as dificuldades parecem prevalecer e a escuridão da dúvida, da emboscada e do terror se expande. Ele acompanha a doçura da mãe e a fraqueza do filho com a firmeza da sua presença e dedicação. José sabe se movimentar mesmo durante a noite, enquanto mantém firme a lembrança do dia, daquele dia que conheceu vivendo uma vida de justiça, ou seja, em atitude de oração e obediência diante de Deus. José não menosprezou, recuar, concentrar-se no próprio conforto e segurança, mas levou consigo o menino e Maria, tornando-se assim para eles um símbolo concreto e visível daquele Pai bom, daquele Deus que cuida de todos, de quem Jesus falará no Evangelho. [5]
No mês de março, nós Irmãs do Imaculado Coração de Maria, também nos reportamos à memória dos 151 anos de partida de nossa querida Bem-Aventurada Bárbara Maix para o aconchego derradeiro, os braços da Trindade Santa, por quem viveu e por quem deu a vida em sua ação missionária. O dia 17 de março traz para nós “recordante” presença de uma mulher que, como José, ouviu a voz divina e acolheu em seu ventre a proposta para Fundar a Congregação para a glória do Coração de Maria. José em seu Coração, no silêncio acrisolado pelo discernimento, pensou, meditou as palavras ditas pelo anjo, colocou-se diante da justiça e da obediência, fez memória da história do seu povo, sabia como Deus agia, então fez o que lhe foi dito, fugiu com o menino para o Egito, cuidou, defendeu das garras do Faraó. E ainda, trouxe o menino de volta para sua terra, tudo no tempo de Deus. Pôs o ouvido a serviço, o cérebro para discernir através da meditação sobre o que fazer, e o coração para amar na sabedoria, o menino que tinha nos braços.
De Nazaré ao Egito, do Egito a Nazaré, viveu José. Bárbara de Viena ao Brasil, para dar luz com liberdade ao Projeto gestado no silêncio em Viena. As noites de José ao lado do menino e de Maria nas travessias da vida, e as noites de Bárbara diante do Sacrário buscando intensamente no seu Tudo, o Mistério trinitário de Deus, qual caminho a seguir no cumprimento do Mandato missionário. Bárbara viveu a justiça com os pobres, os vulneráveis, acrisolada pelo sofrimento, mas, fecunda pela graça divina.
A fidelidade de José nos desafia a vivermos itinerantes para escutar o chamado de Deus no cuidado com a vida, na esperança e na alegria do Evangelho. Leva-nos a perguntar: qual é o Projeto do menino na sociedade que estamos, nos país onde realizamos a “missio Dei”? Referente a Bárbara, o Carisma que nos legou, que tipo de discernimento fazemos, que justiça realizamos, qual é a nossa forma de cuidado? 151 anos de Memória de alguém que desapareceu para nós, e apresentou-se diante de Deus na sua transparência, na abundância da verdade, na coragem de se expor para defender o Projeto e na timidez em não expor as Irmãs evitando tudo que pudesse denegrir a imagem Congregacional. Sua partida não foi um adeus, mas foi a certeza de que viveu tudo que devia viver na presença de Deus Trindade, no seguimento radical a Jesus Cristo impulsionada pela Divina Ruah.
Por:
Irmã Maria Freire da Silva.
Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo e doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália.
Referências:
1 – https://it.aleteia.org/2021/03/18/i-padri-della-chiesa-nessuna-relazione-carnale-tra-san-giuseppe-e-maria/ disponível em 29.02.2024
2 – Idem
3 – Idem
4 – Idem
5 – https://www.famigliacristiana.it/articolo/storia-di-giuseppe-il-falegname.aspx, disponível em 29.02.2024.